O Martírio de Inácio
Inácio, que dizem ter conhecido os apóstolos Pedro e Paulo, era bispo de Antioquia e foi martirizado durante essa época.
O zelo com que ambicionava sofrer o martírio o expôs às censuras de vários historiadores, e com certa razão.
Conta-se que na ocasião em que Trajano visitou Antioquia, ele pediu para ser admitido à presença do imperador, e após explicar por bastante tempo as principais doutrinas da religião cristã, e mostrar o caráter inofensivo daqueles que a professavam, pediu que se fizesse justiça.
Contudo, o imperador recebeu o seu pedido como desprezo, e após o censurar por aquilo a que Trajano se aprazia em chamar a sua superstição incurável, ordenou que fosse levado para Roma e lançado às feras.
Durante a viagem, Inácio escreveu várias cartas às Igrejas, exortando-as à fidelidade e paciência, e avisando-as seriamente dos erros que se ensinavam.
Em uma das suas epístolas escreve: “Desde a Síria até Roma estou lutando com feras por terra e por mar, de noite e de dia, sendo levado preso por dez soldados cuja ferocidade iguala a dos leopardos, e dos quais, mesmo quando tratados com brandura, só mostram crueldade. Mas no meio destas iniquidades estou aprendendo… Coisa alguma, seja visível ou invisível, desperta a minha ambição, a não ser a esperança de ganhar Cristo. Se O ganhar, pouco me importarei que todas as torturas do demônio me acometam, embora seja por mio de fogo ou da cruz, ou pelo assalto das feras, ou que os meus ossos sejam separados uns dos outros e meus membros lacerados, ou todo o meu corpo esmagado.”
O navio que o levou a Roma se demorou em Esmirna, dando a Inácio oportunidade de visitar Policarpo e a Igreja ali, sobre a qual ele presidia como bispo.
Convocaram uma reunião especial, e representantes de várias Igrejas das cidades circunvizinhas vieram para saudar o mártir e aproveitar o seu ministério.
Em Esmirna escreveu quatro das sete cartas das quais ainda existem cópias.
Embora fossem cartas do ano 115 d.C., poucos anos depois da morte do último dos apóstolos, é evidente que os costumes da Igreja se haviam mudado.
O apóstolo Paulo escreveu de apenas das classes de ofício na Igreja local: os bispos (ou anciãos) que governavam, e os diáconos, que serviam as igrejas.
Segundo At 20.28, Fp 1.1 e Tt 1.5-7, os anciãos eram todos bispos, e existiam apenas os dois ofícios mencionados.
Mais tarde os anciãos começaram a nomear um do seu número (força de expressão, significa “escolhiam um ancião do meio deles”) como presidente, e só este recebia o título de bispo.
Ainda mais tarde os bispos eram eleitos pelo povo.
Tanto Inácio nas suas cartas, como Policarpo depois, e outros escritores mais tarde, frisaram a importância e a eminência do bispo.
Este desvio das Escrituras resultou, mais tarde, em grande abuso de autoridade e, afinal, na supremacia do bispo de Roma, como Papa.
Inácio insiste em que os cristãos obedeçam ao bispo da sua igreja.
Justino Mártir designou-os de “presidentes”.
No fim do segundo século os bispos entenderam serem eles uma espécie de sumo sacerdotes, enquanto os presbíteros eram os sacerdotes, e os diáconos, os levitas; fazendo deste modo um sistema semelhante às ordens judaicas.
Quando Inácio chegou a Roma, foi conduzido à arena e, na presença da multidão que enchia o teatro, esperou tranquilamente a morte.
Quando o guarda dos leões veio soltá-los das jaulas, o povo quase enlouqueceu, batia palmas e gritava com uma alegria brutal; mas o velho mártir conservou-se firme.
“Sou”, disse ele, “como o trigo debulhado de Cristo, que precisa ser moído pelos dentes das feras antes de se tornar em pão”.
Não precisamos entrar nos detalhes dos (poucos) momentos que se seguiram.
O medonho espetáculo acabou depressa, e antes daquela gente ter chegado às suas casas, tinha Inácio ganho a coroa que ambicionará e estava com seu Senhor na mora celeste.
Continua.
KNIGHT, A. E.; ANGLIN, W.. História do Cristianismo. 3. ed. Teresópolis: Casa Editora Evangélica, 1955. 404 p.