Por Kyungwha Hong
"Existem muitos desafios complexos que as famílias missionárias precisam enfrentar em ambientes transculturais. Acima de tudo está a questão da aculturação, à medida que se ajustam ao seu novo campo missionário. Além das diferenças de linguagem e comida, está a perda dos sinais e símbolos familiares de interação social. Às vezes, a versão de bom senso de alguém não é mais um senso comum. Assim, ajustar-se a uma cultura diferente, ao mesmo tempo, em que equilibra as responsabilidades familiares e ministeriais, pode ser esmagador.
Relacionada à aculturação está a questão da identidade cultural para os filhos dos missionários. Descobrir quem eles são é uma tarefa de desenvolvimento que todos os adolescentes enfrentam. No entanto, os filhos de missionários enfrentam a tarefa extra e difícil de estabelecer sua identidade cultural enquanto vivem em meio a duas ou mais culturas.
Outro desafio diz respeito à natureza do trabalho missionário. Ao contrário da maioria dos outros empregos, o ministério para missionários geralmente abrange todos os aspectos da vida, incluindo a família e a vida pessoal. Às vezes, os limites entre o público e o pessoal ficam confusos. Quando tal ambiguidade dura 24 horas por dia, 7 dias por semana, torna-se emocionalmente desgastante. Além disso, como descreve a Dra. Maxwell, há um equívoco comum de que, quando os missionários tiram férias, algo está 'errado', o que desencoraja os missionários a fazerem pausas. Sem fronteiras, limites ou quebras ministeriais, o esgotamento é esperado.
Quando essas variáveis compostas se apresentam simultaneamente, o nível de tolerância ao estresse de uma pessoa pode ser reduzido, resultando em problemas de saúde mental.
AS DIFERENTES ETAPAS DA VIAGEM
Aqui, deixe-me recapturar os diferentes desafios e emoções que a família do estudo de caso da Dra. Maxwell [o casal Frank e Amber, com sua filha pré-adolescente Joe e seu filho adolescente Justin] experimentou.
PRÉ-ATRIBUIÇÃO E RECÉM-CHEGADOS
A família começa sua jornada com emoção, curiosidade e um senso de aventura. Isso é o que a maioria das pessoas sente nos primeiros estágios de aculturação, chamados de estágio de lua de mel. As pessoas nesta fase estão motivadas e sentem que não terão problemas para se adaptar à nova cultura.
Eles também descartam pensamentos negativos que surgem, como ansiedade e dúvidas. Informar a família sobre o que esperar no processo de aculturação, bem como abordar quaisquer emoções negativas que tenham descartado, é útil para seu ajuste.
Uma vez que a família chega ao seu campo de ministério, eles 'se sentem como crianças aprendendo tudo', como descreve a Dra. Maxwell com tanta precisão, e são totalmente dependentes dos outros. Seria bom informar antecipadamente aos missionários que esse sentimento é normal e faz parte do processo de aculturação. Seu sentimento de 'ministério real' estar distante é bastante compreensível neste estágio. No entanto, seria útil repensar o que 'ministério real' significa para eles e reconhecer que o ajuste é, de fato, parte do 'ministério real'.
DO INÍCIO AO MEIO DO PRIMEIRO PERÍODO
Nesta fase, vemos que a incerteza e a instabilidade penetram no período de ajuste, com coisas como necessidades diárias, regulamentos governamentais, segurança e sistemas de apoio emocional em um estado de fluxo constante. No topo da incerteza e da instabilidade, está o estresse adicional do aprendizado de idiomas e da educação em casa.
As diferenças nos níveis de adaptação entre os membros da família são outro problema potencial, com Joy se saindo melhor do que Justin em fazer amigos e Amber se saindo melhor do que Frank no aprendizado da língua. Como chefe da família, Frank pode sentir mais pressão e ter uma sensação de fracasso intensificada, que pode se espalhar rapidamente para outros membros da família. Todos esses problemas podem resultar em aumento dos níveis de estresse, o que afetará emocional e fisicamente. No entanto, o aspecto mais preocupante é, como retrata a Dra. Maxwell, o 'escapismo para a Internet' e outras práticas 'perigosas', que podem incluir muitas formas de dependência.
ATRIBUIÇÃO DE CASA E PRÓXIMO PERÍODO
A família se vê vivendo no abismo entre dois mundos diferentes: expectativa versus realidade; sua própria cultura, na qual eles sentem ter deixado para trás, versus sua cultura anfitriã adotada; ser humano versus empreender uma tarefa divina de fé. Eles sentem que a lacuna entre as expectativas e a realidade é enorme e, assim, seus sentimentos de fracasso e raiva são intensificados. Além disso, com constantes despedidas de amigos e colegas de trabalho e as responsabilidades adicionais que agora recebem como missionários 'experientes', os membros da família sentem pesar, isolamento e exaustão. Além disso, a traição de um amigo de confiança os devasta e os confunde. Em vez de expressar suas preocupações, eles tendem a não dizer nada. Maxwell ressalta que ninguém sabe que Frank está se sentindo inadequado, descuidado e como se estivesse 'morrendo por dentro'. A carga emocional, em vez de se tornar um importante tópico de discussão, se expressa de forma mais aceitável: sintomas somáticos [corporais].
As descrições da Dra. Maxwell deixam claro que 'trabalhadores experientes' também precisam de apoio emocional sistemático, um lugar para expressar sua confusão e suas emoções intensas. Além disso, ela destaca como é fácil para a igreja e as agências missionárias esquecerem que o missionário é um ser humano, que precisa 'ser valorizado como uma pessoa digna de ser amada'.
DESPERTAR
Frank apresenta sintomas de esgotamento. Felizmente, um ponto de virada ocorre quando Amber começa a 'nomear' e 'expressar' as falhas e seus medos a Deus. Ela busca a Deus e pergunta qual é a agenda de Deus para eles pessoalmente e como missionários. Ela demonstra esperança e consciência do amor de Deus por ela. A Dra. Maxwell ilustra como a cura começa com a identificação e o reconhecimento da escuridão, expressando honestamente o não saber e buscando ajuda. Ela também destaca a importância de se lembrar do amor infalível de Deus, não apenas por eles como missionários que dão 'frutos', mas também como pessoas valiosas. E, claro, a importância de ter esperança.
ALGUMAS SUGESTÕES
Voltando à pergunta da Dra. Maxwell, quais são algumas das maneiras de aumentar o número de missionários saindo da escuridão, mais fortes e mais próximos de Deus? Não existe uma resposta fácil e única. Os desafios são multicamadas e multifacetados. Gostaria de sugerir duas coisas que podem ser parte da solução: mudanças de percepção e apoio sistemático às famílias missionárias.
MUDANÇAS NA PERCEPÇÃO
Organizações missionárias e igrejas precisam mudar sua percepção e seus padrões de sucesso. O fato de que os missionários vivem e resistem em um ambiente transcultural deve ser reconhecido como um ministério em si. Os missionários precisam ser valorizados como pessoas, não como ferramentas ou robôs que cumprem metas. A Dra. Maxwell diz bem: a medida do sucesso precisa ser aproximar-se de Deus, não quantos frutos se produz. A medida de utilidade precisa ser disponibilidade, 'permitindo que Deus determine o impacto e os resultados'. Com base nesse padrão, precisamos contemplar a alteração do conteúdo dos relatórios de missão e dos sistemas de comunicação missionária para que reflitam relatórios ontológicos [sobre a sua própria existência] – não apenas relatórios de quantos convertidos e de igrejas plantadas os missionários fizeram.
APOIO SISTEMÁTICO
Muitas organizações missionárias fornecem assistência aos membros antes e depois do trabalho missionário. No entanto, este estudo de caso ilustra a necessidade de sistematizar o atendimento aos missionários ativos no campo missionário. O apoio espiritual e emocional precisa ser consistente e contínuo para essas famílias. [...] Há uma tendência crescente de ter equipes de aconselhamento dentro das organizações missionárias. Embora isso seja muito positivo e encorajador, existem algumas dificuldades de acompanhamento. Por exemplo, como as equipes de aconselhamento fazem parte das organizações missionárias, podem surgir questões de confidencialidade e relacionamentos que se contrapõem. Isso pode ser resolvido esclarecendo o papel das equipes de aconselhamento dentro das organizações missionárias e encaminhando os missionários a terceiros, como equipes de aconselhamento profissional, para questões pessoais e esclarecimentos familiares.
Como a Dra. Maxwell graciosamente apresenta, há muita esperança de restauração e crescimento após a escuridão. Gostaria de expressar minha profunda gratidão às corajosas famílias missionárias que saem de suas zonas de conforto para o desconhecido por Deus e seu reino. Também gostaria de agradecer a Dra. Maxwell por seu estudo de caso perspicaz e prático."
* Por KYUNGWHA HONG (e Ruth L. Maxwell), no livro “Missionaries, Mental Health, and Accountability: Support Systems in Churches and Agencies” (“Missionários, Saúde Mental e Responsabilidade: Sistemas de Apoio em Igrejas e Agências”).
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